segunda-feira, 18 de outubro de 2010

Prazer de perdição.

Para lá de meia década uma imagem faz-me tremer. Transporta-me no tempo em que estava a começar a perder e o corpo curvava-se na corrida para vencer. Creio que primeiro a imaginei numa voz insistente que me queria convencer, apenas por palavras se quis descrever. Uma mulher muito bonita, feita a três quartos para o retrato. Uma mulher muito elegante, sentada numa cadeira retráctil. Altera-me, mas vou adiante. Está nua. Tapa meio rosto com uma máscara africana, de pau-preto que segura com as duas mãos de dedos longos e esticados, perfeitas como o conhecimento dos anciãos. Meia face de desejo que morde o lábio inferior fecha os olhos com as pálpebras a deslizar, talvez por imaginar a excitação do seu amor. Sobrancelhas naturalmente desenhadas a pincel fino, na mão de um génio que já observou todas as divas encantadas. Sei que sentiu calor, suada no ventre delgado e cabelo curto, seguro por de traz das orelhas, molhado. Apoia o troco para o lado esquerdo, apoia-se com o braço aberto no espaldar, descontraída, parece não ter medo. O direito toca no peito, aconchega-o ao de leve, distraidamente, toca-lhe no princípio da curva do seio cheio, nobreza forte e feminina de tamanha beleza. Mamilos da cor dos lábios, rosados, quiseram na sua natureza que fossem dessa cor pintados. Redondos, rijos, tentadores, húmidos, pele fina, branca, lisa, divina, fazem os deuses adoecerem de amores. Traz as marcas do Sol, marca da armadura de tecido que não está presente, é apenas sugerido. Marcas de quem procura viver, lutar e sobreviver. O pescoço e os ombros parecem fazer um movimento definido, fazem-me soltar um gemido que abafo para não ser ouvido. Foi esculpida na mais perfeita medida. Na barriga suada, vejo um umbigo com uma jóia cravada por dois diamantes distintos, centrada numa anca que põe a minha alma totalmente embriagada. Tem as pernas juntas, a lembrarem um vale paraíso. Não lhe vejo o sexo, apenas um doce manto castanho caju. Uma língua de pelo suave, que nasce daquele vale; no cimo daquelas três linhas de carne e pele que envergonham o mel, nem as abelhas conhecem doçura igual. Duas coxas torneadas, colada uma à outra, escondem o que os olhos não poder ver, sensatamente, não fosse a humanidade se perder, nesta visão de enlouquecer. Posso imaginar os joelhos, os gémeos, as canelas, os pés, mas não posso observar. Ficam na minha imaginação, ficam no meu exercício de memória e da vossa, se for bravo o vosso coração. Só pode ser a continuidade desta beleza infinita, que descrevo e me quero perder. São pernas que conheço e vi crescer, tornaram-se iguais ás dos retratos que os artistas querem descrever. Quanto mais olho, mais cego fico, tudo o resto perde o interesse de ver.
É um corpo de mulher, fotografado e revelado. É um corpo que fala o que lhe vai na alma, que se esconde e mostra o que eu posso ver. Durante anos, paro no tempo para observar. Meio rosto descoberto, uma face que conheço há muitos anos. Provavelmente já conhecia antes de nascer, sinto como uma verdade, por mais absurdo que voz possa parecer. É âmago, essência, paixão, pessoa, probidade, é a minha descrição do prazer de perdição.

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