domingo, 26 de setembro de 2010

Sonho.

Dormia.
Um miúdo bateu à minha porta. Dizia que não encontrava a mãe. Chorava, como se tivesse perdido tudo, tinha no rosto aquele desespero que são socos no peito. Parecia que nada o deixava satisfeito. Andei por todos os corredores e cheguei mesmo a perguntar aos moradores. Sai do meu bloco com ele junto ao peito.
 Pedi para que não chorasse, mas as lágrimas e os soluços no esforço de abafar o desespero, pareciam inúteis. Palavras de um desconsolo tal que a mim me comoveu. Uma memória que não se perdeu, um reflexo de mim nos seus olhos molhados, uma troca de posições em perfeita sintonia. Um peso quente e húmido nos braços a querer dizer por onde ir e a descrever de quem não se queria perder. Que imagem procurei eu? A mãe dele? A minha? Muito provavelmente nenhuma destas, julgo eu. O seu choro quase ficava o meu, não sei o que me deu. Parei. Poisei-o no chão. Respirei fundo e pus-me direito. Passei as mão na cara e fiquei a observa-lo. Pus o meu melhor sorriso e disse-lhe: “não tenhas medo, tem coragem… vais ver é só estalar o dedo”. Estalei… o que me foi acontecer, desapareceu diante dos meus olhos… súbito, não o vi a ficar distante.
Voltei para casa. Confuso, desconfiado e no entanto sentia-me abraçado. Foi-se embora da mesma maneira que apareceu, contudo, na partida a porta não existiu. Fundiu-se num tudo, onde a sua figura se escondeu? Entrei em casa e fui para a sala descansar. Julgava eu.
Leitor atento, leia o que me aconteceu.
Estendida no sofá, sem roupa e sem pressa. Uma mulher, da minha altura, com a minha estatura, sorri. Senta-se sem parar de olhar para mim, mantém as pernas entreabertas e as costas direitas. Baloiça o peito com um movimento de ombros. Encontro os seus olhos no meio da minha cintura e os lábios a mostrar os dentes de satisfação. Poisa uma mão no colo, a outra estende-se até mim. Toca-me e diz que tem saudades, fica corada e depois a mim abraçada. Um abraço com a mais perfeita medida, força e carícia. Pontos quentes…. Húmidos. Sentada no meu meio dentro da sua metade a baloiçar, a sorrir, a gemer… eu a ver acontecer, sem palavras, sem respiração. Aperto-lhe a cintura, inspiro e levanto-a no ar. Expiro e deixo-a poisar. Os olhos ganham outra expressão, indicam outra dimensão… os corpos encontram-se e despertam um trovão, um relâmpago e uma chuva calma.
Com calma retomei a respiração, senti o calor e senti-me grato por esta aparição. Suavemente as nossas peles pararam de se acariciar e os olhos começam pesar. Poisou a cabeça no meu ombro e fui adormecendo a ouvir o seu respirar. Senti o seu corpo a separar-se do meu e uma voz familiar a dizer, “Está quase meu amor, está quase.”. No meio de um nevoeiro fico a vê-la abrir a porta… saiu, nua, com um sorriso consolado. Fechou a porta e a televisão acendeu-se. No ecrã vejo o miúdo a fazer-me adeus, por baixo vejo uma legenda que dizia: “gostava de ser tu.”
Adormeci.

sexta-feira, 24 de setembro de 2010

Birra de sono.

Sem posição possível, meia volta na cama e sinto a ausência
Volta completa na minha cabeça e não encontro a essência
Sei que a distância ajuda-te a segurar o que tens, o que ninguém pode levar.
Tens medo do que tenho para perguntar? Olha que é pouco e respondes se souberes.
Tens medo de um tudo em mim? Arranja coragem então, sê rápida se puderes.
Olha para isto, já nem sei bem como me dispo, sei bem que insisto.
Porque disse isto. Camadas e camadas de folhas escritas a saírem do corpo,
A esvoaçar na atmosfera, palavras de todos os tipos e feitios.
Dita-me a almofada que hoje não durmo e não dormi.
Fiquei a olhar para todo o lado, para tudo o que já conheci.

Quatro estações.

Outono. Vai para lá de um ano que miro uma janela. É igual a tantas outras, não fosse o que tem dentro dela. É o silêncio, o mais completo momento na ausência de ruído. Vejo-a do meu quintal.
Certo dia, não pode deixar de ouvir um grito. Um pedido de ajuda, uma voz estridente na minha direcção. Olhei para todas as fachadas dos edifícios circundantes, esperando encontrar alguém. Apenas vi um rosto, numa cabeça, num pescoço, num tronco com braços… cabelo longo. Só vi uns pedaços. Fugiu. Silencio brusco.
Inverno. O compressor estava a trabalhar e ouvi alguém a declarar. Voz altiva, amiga, parecia estar a convidar. Ouvia em subconsciente. O motor pára com um espirro e a melodia falada revelou-se. Uma declaração de amor, um peito aberto a dizer calor… paixão e tesão. Giravam as minhas orbitas, girava o meu crânio, o meu corpo em desequilibro até aterrar completo no chão. Olhei para a relva e senti olhos na minha direcção. Castanho, castanho caju. Pele clara. Lábios cheios, olhos grandes e cabelo esvoaçante. Cheiro doce por entre a erva molhada. Ombros, duas mãos, uma mascara. Seios, ventre, anca, pontas de “V”, um traço… silencio e beijos. Beijos na minha direcção; direcção da boca. Desce o cortinado e apaga a luz.

Primavera. Ouvi musica todo o dia. Vinha daquela janela. Musicas com poemas. As luzes sempre acesas. Musica que parece não acabar. Ouvi de tudo, alegrias e o lamentar. Por vezes até o demónio a expulsar. Ouvi gargalhadas e pedidos de perdão, tudo isto em forma de canção. O que queria dizer com aquilo, porque é que estava tanto a acontecer. Vinte e quatro horas de mensagens espalhadas no ar. Uma azafama constante de instrumentos musicais e vozes dos por demais. Bons e maus momentos, tal como os dias. Por vezes parava de ouvir, simplesmente parava de fazer o esforço, e as memórias faziam-me suspirar. Foi assim até ao último dia, ouvir e com força no respirar, por não a ver e não parar de escutar.

Verão. Sentia saudades de ouvir grilos. Do prédio quase vazio. Da cama de baloiço e de uma cerveja gelada, nas noites quentes e pequenas. Saudades dos estendais com pouca roupa, do fogo de rua e da carne assada sem penas. Da fruta, do tanque antigo, da sombra. Das leituras em dia, dos passeios, das idas a praia, da visitas a quem é amigo.
Adormeci ao relento, embalado pelo tempo. Acordei de rompante com uma luz forte e incandescente. Uma ordem para eu seguir: “Para diante, para traz, vai-te embora, volta se fores capaz.”
Encolhi os ombros e voltei as palmas das mãos para cima. Com o rosto fechado enfrentei o ponto de fuga e gritei: “Porquê?”. A resposta que tenho é minha, é pobre, é: Tem que ser.
O foco apagou-se com um ponto incandescente, naquela janela sempre presente.

O Outono voltou. Já senti algumas pingas. Toquei na sua campainha doze vezes, deixei dois presentes e recados, a pedir encontros, no entanto, tudo o que tenho são desencontros. É uma janela que me faz acreditar, que sente atracção por mim e me testa, que me afasta e que me aperta. É o tempo e o que acontece nele, é o esforço para dizer que o meu peito também aperta… o desejo da descoberta.

quinta-feira, 23 de setembro de 2010

Encontros com a Lua.

Claridade, tanta claridade a noite passada,
A cidade adormecida estava toda iluminada.
Luz azulada, vinda da lua e do céu negro,
Nuvens vizinhas, nuvens carregadas.
Redonda, lá em cima recortada.
Parece o rosto de alguém no esforço do canto
Que deseja ver a sua alma amada, um encanto.
Ou o rosto de admiração por estar a ver quem ama;
Por isso cantava a canção e não me deixava ir para a cama.
Julgo que canta para o Sol, estrela solitária
Canta para mostrar que está solidária
Vi uma mulher na janela, estava a contemplá-la
Ouviu o seu canto, sorria, murmurava: “Como é bela”.
Sentei-me ao seu lado, não se moveu, não perdeu a graça.
Disse: “ Fica mais bonita quando o sol a abraça”
Ficámos a ouvir o seu canto até que o sono, por fim, venceu.

quarta-feira, 22 de setembro de 2010

Quadra dáda.

Dou-te o meu indicador para ser cravado, dou de agrado.
Sempre dei o peito, as mãos e a cabeça. Dou, fui guardado.
Lá fora gritam de dor, de incompreensão, dizem: “mal amado”.
Eu grito alegre a quem grita: “tu não compreendes o fado!”

Quadra suspeita.

Creio que o que temes é o contrário de mim e não eu.
O que desejas pode ser teu. Acaricia a mão, o que é meu.
Morde o lábio de baixo, o dela, o que é seu.
Juro que amei o que vi e o que senti … todo teu.

Memorias repentinas 4.

Era sempre naquele jardim, de pé, quase encostados
Falava-mos baixo, como se as arvores tivessem ouvidos;
Conhecia-mos os riscos que foram pelo diabo lambidos.
A relva, a sombra, a vista, as flores, os deveres estudados.

Memórias repentinas 3.

Lembro-me de um abraço que fez o mundo girar nos nossos pés.
Lembro-me do teu sorriso e da ternura naquele ambiente campestre.
Lembro-me de querer ser melhor e do deposito de todas as fés.
Dominar os meus próprios monstros e de querer ser mestre.

Memórias repentinas 2

Não podíamos sequer um beijo, uma carícia.
Tudo na escola de Platão, na imensa espera;
A vergar a mola do papão, domar a nossa fera,
Fazia-mos promessas e mapas de quimera.

Memória repentina.

Foram rápidos todos todo momentos contigo.
Tinham que ser rápidos e em segredo, tinha-mos medo.
Olhar trezentos e sessenta, o amor não se enfrenta
Protege-se, talvez, assim é comigo.

Poema criado

Fui criado por barões almados e todos me querem bem,
Faço sinal com bandeira branca porque a todos convém.
Afinal de contas, e de palavras soltas ela aqui me tem.
Publicado de borla, por mania e convicção, fronteira além.

Bom 2.

Desejar sempre o bem, se ao amor for do agrado,
Confiar na sabedoria de quem te quer bem, saber ouvir, falar e observar.
Respeito. Analisar a fundo a tua alma e saber explicar.
Bom estado de loucura, é como querer rimar.

Bom.

Acompanhar e ser acompanhado. Descobrir prazeres e de ser bom aliado.
Estar disposto a oferecer o que se pode dar, receber de bom agrado.
Saber ser amado, amigo e companheiro, abraçar o bom fado.
Ser criativo e ter paixão, ser verdadeiro e educado.

Bem vindos.

Isto é um edifício. Eu moro ali em cima. Lá em baixo é o meu quintal.
Estamos neste momento a meio desta construção, do prédio virtual.
Encontramo-nos na divisão que eu mais gosto, a do meio, individual.
Sois bem vindos e bem vindas, podeis comentar, pois então pessoal.

segunda-feira, 20 de setembro de 2010

Aniversário.

Pois então, faz hoje quase mais de metade da minha vida em que conheci o meu primeiro amor. Não consigo dizer porque não deu. Mas não deu. Creio que não podíamos. Talvez a violência do tempo, tempo esse em que não havia tudo e o medo de perder era imperial. Mais de metade da minha vida, porque talvez as castas sejam diferentes e teimosas no toque entre si. Pergunto-me se este exagero não será por causa da mais tremenda atracção.
Bem dita seja a verdade e bem celebrado este meu desejo. Fez-me fazer o que muitos imaginam e poucos suportariam. Não sei faze-lo de outra forma senão dizendo que vou continuar a esperar e a procurar, firme. Bem dito seja o dia em que a volte a encontrar.
 

quarta-feira, 8 de setembro de 2010

Alma 2.

Oiço-a a gritar: “para ser dono do bem, com ou sem fados, não só é preciso compreender as verdades, como estimar o problema e os seu derivados.”Coisa loucas: “Rainha branca, come a preta e fica cinzenta, mais astuta, mais atenta”, “lua, bela e sagrada, dá-me o teu sorriso que a mim tanto agrada”ou “…podes ser tudo o que quiseres…”. Creio que existe um sorriso na sua cara. Sei, não é som de triste, é alegre, a felicidade ampara.
Existem outros sons… fala do medo e do vestido rasgado. Das garras que foram mãos, das luvas e dos irmãos… das saudades. Dos amantes visitantes sempre, sempre distantes. Dos papelinhos espalhados, das partidas, os pedidos de perdão, as invocações do choro, a comoção da imensidão.
Dá-me sempre uma saudação, seja como for. Cumprimenta e afasta-se vá para onde for.

quinta-feira, 2 de setembro de 2010

Alma.

Por aqui todos entram, comem, dormem, convivem e saem.
Ela só sai e entra. Barrica-se no silêncio, tudo pára.
Os vizinhos dizem que fala com as árvores, que se põe imóvel.
Que o seu corpo fica tenso, suspenso no ar por fios invisíveis.
Vende a alma, partilha os seus vazios por preencher.
 Dizem que foi aprendiz e hoje é mestre de possíveis.
Fique horas a olhar para a sua porta, sentia a sua tempestade morta;
Majestade da espera, uma princesa domadora da sua interna fera
Lá fica ela na sua materna esfera, insanidade que se diz paterna, da guerra e da quimera.