sexta-feira, 22 de outubro de 2010

Banal nada igual.

Não sou igual a ninguém,
Sou semelhante é certo.
Talvez cúmplice de alguém
Sou incompleto, alerto.
Falta-me que não vem.
Sou coração aberto
Sou velho, crente do bem.
Fui jovem além…
No tempo em que acerto.
No peito soluço, também;
Sou mártir voluntário;
Sou correcção, erro incerto.
Sou esquecimento no diário.

segunda-feira, 18 de outubro de 2010

Prazer de perdição.

Para lá de meia década uma imagem faz-me tremer. Transporta-me no tempo em que estava a começar a perder e o corpo curvava-se na corrida para vencer. Creio que primeiro a imaginei numa voz insistente que me queria convencer, apenas por palavras se quis descrever. Uma mulher muito bonita, feita a três quartos para o retrato. Uma mulher muito elegante, sentada numa cadeira retráctil. Altera-me, mas vou adiante. Está nua. Tapa meio rosto com uma máscara africana, de pau-preto que segura com as duas mãos de dedos longos e esticados, perfeitas como o conhecimento dos anciãos. Meia face de desejo que morde o lábio inferior fecha os olhos com as pálpebras a deslizar, talvez por imaginar a excitação do seu amor. Sobrancelhas naturalmente desenhadas a pincel fino, na mão de um génio que já observou todas as divas encantadas. Sei que sentiu calor, suada no ventre delgado e cabelo curto, seguro por de traz das orelhas, molhado. Apoia o troco para o lado esquerdo, apoia-se com o braço aberto no espaldar, descontraída, parece não ter medo. O direito toca no peito, aconchega-o ao de leve, distraidamente, toca-lhe no princípio da curva do seio cheio, nobreza forte e feminina de tamanha beleza. Mamilos da cor dos lábios, rosados, quiseram na sua natureza que fossem dessa cor pintados. Redondos, rijos, tentadores, húmidos, pele fina, branca, lisa, divina, fazem os deuses adoecerem de amores. Traz as marcas do Sol, marca da armadura de tecido que não está presente, é apenas sugerido. Marcas de quem procura viver, lutar e sobreviver. O pescoço e os ombros parecem fazer um movimento definido, fazem-me soltar um gemido que abafo para não ser ouvido. Foi esculpida na mais perfeita medida. Na barriga suada, vejo um umbigo com uma jóia cravada por dois diamantes distintos, centrada numa anca que põe a minha alma totalmente embriagada. Tem as pernas juntas, a lembrarem um vale paraíso. Não lhe vejo o sexo, apenas um doce manto castanho caju. Uma língua de pelo suave, que nasce daquele vale; no cimo daquelas três linhas de carne e pele que envergonham o mel, nem as abelhas conhecem doçura igual. Duas coxas torneadas, colada uma à outra, escondem o que os olhos não poder ver, sensatamente, não fosse a humanidade se perder, nesta visão de enlouquecer. Posso imaginar os joelhos, os gémeos, as canelas, os pés, mas não posso observar. Ficam na minha imaginação, ficam no meu exercício de memória e da vossa, se for bravo o vosso coração. Só pode ser a continuidade desta beleza infinita, que descrevo e me quero perder. São pernas que conheço e vi crescer, tornaram-se iguais ás dos retratos que os artistas querem descrever. Quanto mais olho, mais cego fico, tudo o resto perde o interesse de ver.
É um corpo de mulher, fotografado e revelado. É um corpo que fala o que lhe vai na alma, que se esconde e mostra o que eu posso ver. Durante anos, paro no tempo para observar. Meio rosto descoberto, uma face que conheço há muitos anos. Provavelmente já conhecia antes de nascer, sinto como uma verdade, por mais absurdo que voz possa parecer. É âmago, essência, paixão, pessoa, probidade, é a minha descrição do prazer de perdição.

domingo, 17 de outubro de 2010

A queima.

O tem que ser tem força, e ninguém trata do que é meu. Veio o dia amanhecer e a tarefa era queimar o mato selvagem que durante o verão, no quintal, vi crescer. Tinha tudo já cortado, amontoado e colocado com cuidado no chão destinado. Já estava seco, pronto para ser queimado, cumprindo as normas, não fosse um erro dar cabo do meu ordenado.
Com a tenaz segurei uma acendalha, acendi um fósforo e peguei-lhe o fogo. Debrucei-me sobre o monte, e com delicadeza poisei-a dentro dos absurdos. Vi as labaredas a lamber os ramos secos, que estalavam por estar a ferver. Amarela e laranja a chama fez-me ver que algumas das ervas não perderam o verde vibrante e no entanto queimavam como entusiasmo de arder. Ignorei e ali fiquei a apreciar o calor. Vigilante, atento, diz no manual que nunca se deve ficar distante.
Levantei-me e senti o mundo a girar com mais violência do que é habitual. “Deve ser do pequeno-almoço fraco… hoje comi mal.” Pensei enquanto recuperava o equilíbrio, no meio de uma serenidade que me agradava. Respirei fundo e dei dois passos a traz, sentei-me no tronco cortado. Fiquei imóvel, com o olhar cansado, no entanto, dentro de mim, pensamentos novos surgiam e fugiam. Ideias bruscas que não me deixavam sossegado. O fogo parecia poesia bailarina, nascida da terra, com músculos soltos e tendões quentes em membros irrequietos que só querem mexer. Senti o cheiro do fumo, doce ácido, levou-me a compreender que não era um lume qualquer.
Vi a mancha cinzenta pelo céu se perder. A confundir-se nas nuvens carregadas, próprias da época, prontas a chover. Olhei para as fachadas dos edifícios e foi neste momento que começou tudo a acontecer.
Um jovem veio à janela com um saxofone que me parecia enorme, com o seu sopro começou a tecer uma melodia forte serena. Do extremo oposto surgiu uma senhora que nunca saia de casa e pôs-se a cantar, como se quisesse acompanhar, o jovem que tocava de olhos fechados, nada o podia incomodar. Aos poucos as janelas, uma por uma, foram-se abrindo. Corpos vindos do interior do betão foram surgindo. Reparei que as pessoas começavam a comunicar, pareciam estar a combinar, o quê não sei, mas pareciam determinados. Falava das janelas uns para os outros e pareciam se corresponder. Uma coisa é certa, estavam alegres, numa alegria rara, rara de acontecer. No telhado do prédio mais baixo surgiram três pessoas. Uma com um bombo, outra com uma tarola e a mais alta com dois pratos de choque. Surgiu outra que seu pôs em linha com os outros, soprou um apito e começaram a batucar. A mulher que cantava, parecia ter sentimentos guardados numa eternidade, aquela voz parecia não ter idade. Ao lado do jovem saxofonista, surgiu uma rapariga que rapidamente compreendi que era trompetista. As janelas não paravam de se abrir, um movimento que estava sempre a se repetir. Olhavam todos uns para os outros, falavam sem eu compreender, até ao momento que vi para crer. Explosões de folhas de papel, rebentavam de dentro para fora dos edifícios. Milhares a descer numa leve e calma queda, a atmosfera rapidamente ficou sem nada para preencher. Folhas de todas as cores, papel de todos os feitios. Os animais pareciam estar a enlouquecer. O galo cantava fora de horas, o coelho corria a traz da galinha, amedrontada, fugia como se tivesse medo de levar uma dentada. O gato dava saltos no ar, parecia que queria a gravidade desafiar. As folhas de todas as cores e feitios aos pouco vinham ao solo poisar, mas não por muito tempo porque aparecia sempre alguém pronto para as apanhar. Quando já não tinham braços voltavam a se esconder dentro dos prédios cheios de gente a festejar, um festejo absurdo que me animava até a minha melhor gargalhada se soltar. Doze janelas, uma dúzia de pessoas afinadas, começaram a fazer coro, pareciam querer acompanhar aquela senhora que nunca saia do seu lugar, tinha estado a guardar uma voz de ouro. De cima de um muro surgiu um trombone, nas escadas dois pares de violoncelos e quatro violinos faziam as cordas vibrar. Uma algazarra louca que parecia não acabar.
As minhas pernas não me deixavam levantar e aquela multidão parecia que em mim não estavam a reparar. Olhei de novo para o fogo e a chama crescia, na vertical vencia. Ficou da minha altura, uma língua quente que subitamente ganhou a forma de gente. Um homem de braços e pernas a correr. Por vezes surgia um rosto fugidio, trazia uma expressão contente, vitoriosa, aquela face de vencedor, um sorriso de vitória, de quem fez frente. Veio do fogo e não era demónio, não era anjo nem gente. Era fogo espectro filho de seres divinos, penso eu, alguém que nunca morreu. Uma visita de pasmar, uma figura que cortou o meu respirar.
Aos poucos as pessoas foram parando, os animais regressando á calma habitual. A chama foi minguando. Aquele frenesim e aquele elemento da natureza, estavam um para o outro como se fossem viajantes que se vão acompanhando.
O saxofonista parou com um beijo na trompetista que o entusiasmou. A senhora escondeu-se com um sorriso na cara que mirava o coro que nunca desafinou, ao mesmo tempo lançaram doze beijos e rapidamente aconteceu o seu recolher. Aos poucos as folhas aterravam, foram sendo recolhidas e já não voltavam a aparecer. As cordas pararam de vibrar, o trombone parecia corar e caio na graça do silêncio. O bombo, a tarola largaram o ritmo, os pratos chocam mais uma vez, fazem o silêncio regressar. O galo desmaiou, a galinha desistia e dormitava com o coelho satisfeito que já ressonava. O gato veio deitar-se no meu colo e ficámos a ver os restos incandescentes do fogo; a apreciar o regresso da noite e o cantar de um grilo que fazia o seu chamamento, calmo e pachorrento.
Veio uma chuva miudinha, fez as brasas soprarem. Levantei-me leve, sorridente, esfomeado porém. Nessa noite a cidade adormeceu cedo.

sábado, 16 de outubro de 2010

Tatuagem na memória 2

Não me posso esquecer, não me posso esquecer.
Deixo de sentir o meu corpo, sinto apenas a musica, nota por nota como copos para me embriagar. Desaparece o edifício familiar, a rua, a cidade, eu e a noção daquele lugar. Fica apenas aquele som que me veio soltar.
Não me posso esquecer, não me posso esquecer.
Sei porque vim para aqui, foi para me perder. Para encontrar algo dentro de mim, um sítio, uma imagem, talvez uma recordação de tempos em que a esperança estava no altar, prestes a casar com o desejo de afirmar.
Não me posso esquecer, não me posso esquecer.
Um passeio nocturno, de mão dada com a alma gémea. Eu a caminhar lado a lado com a Majestade do meu país, que dada a sua ausência está agora infeliz. Mostrou-me o meu nome pintado na parede, levou-me a uma festa para matar a sede.
Não me posso esquecer, não me posso esquecer.
Regresso a mim. Regressa a cidade, a rua, aquele edifício. Regresso ao meu corpo e a janela mergulha no silêncio docemente como se não me quisesse acordar. Regressa uma brisa menina que me acaricia o rosto, na testa uma pinga pequenina.
Não me posso esquecer, não me posso esquecer.
Sobe o vento, cresce a chuva. Na janela sinto um respirar, uma sombra, uma silhueta turva, uma mão a chamar. Avanço até a porta e calculo o botão da campainha que devo carregar. Carrego. Ninguém atende o meu chamar.
Não me posso esquecer, não me posso esquecer.
Ajeito os meus trajos e volto a espreitar à janela. Não está lá ninguém e sei que não estou a delirar. Resigno-me à sua vontade, volto para a arcada, para do temporal me abrigar. Sento-me no chão, não resisto em me deitar.
Não me posso esquecer, não me posso esquecer.
 Embrulho o meu corpo numa posição fetal. Sinto o frio e a ausência de vontade de me levantar. O peso dos olhos faz-me chorar, lágrimas que se confundem com a chuva pura que está em todo o lugar.
Não me posso esquecer, não me posso esquecer.
Mergulho no sono, afundo-me num sonho. Sinto um corpo nas minhas costas quase a me abraçar. Sinto um dedo dentro de mim e uma mão a quer me esticar. Uma vontade enorme de chorar. Uma preocupação num coração a saltitar.
Não me posso esquecer, não me posso esquecer.
Uma voz que diz: “…é mais forte do que podem julgar.”Diz e eu quero acreditar. Sonho sem imagem, apenas sentidos cegos, cheiros, sons, tacto e paladar. Arroz de pato é estranho, é intruso e no entanto neste sonho é facto.
Não me posso esquecer, não me posso esquecer.
A imagem de um serviço de talheres, banhados a prata que o tempo veio estalar. Não é meu, meu é apenas a cobiça de com ele ficar. Um raio do sol surge para me despertar. Levanto-me do chão duro e na janela fixo o meu olhar.
Não me posso esquecer, não me posso esquecer.
Gotas de água descem das folhas amarelas, castanhas. Verdes eram dantes, nas possas abundantes, pingo a pingo insistem em não secar. Está complicado o meu acordar, o meu corpo está dorido e as minhas pernas tremem, as mãos fedem.
Não me posso esquecer, não me posso esquecer.
Lisboa acordou. As pessoas passam por mim e fingem não me ver. Coço a cabeça e escondo a vergonha, recomeço a minha caminhada um pouco a aqueçer. Sinto fome e vejo um café aberto, ocorre-me a ideia de que é lá que desperto.
Não me posso esquecer, não me posso esquecer.
 Aproximo-me atento ao meu redor. Olho para todos os indivíduos, especialmente quem é consumidor. Uma mulher limpa as pálpebras com as pontas dos dedos, acompanhada por dois homens que parecem segurar os seus medos.
Não me posso esquecer, não me posso esquecer.
Sinto uma confusão dentro de mim, os meus pés outrora dormentes, estão agora dementes. Contrariam a minha primeira vontade. Insistem que precisam marchar, gritam lá de baixo que foram feitos para andar.
Não me posso esquecer, não me posso esquecer.
Contrariado arranco as folhas de uma árvore, deposito nelas a angustia de estar a perder. Desfaço-me delas, com a franca facilidade, como se fossem tudo o que não quero. Inspiro e trauteio a melodia de ontem. O presente tempero.

sexta-feira, 15 de outubro de 2010

Poema achado.

"Honra, lealdade, fé no bem.
São três as ordens pelas quais me afirmei.
Abdiquei de muito e muito recusei.
Causei dor bem sei,
Está reflectida em mim, sinto,
Sei o que causei.
Depositei mal o meu primeiro beijo,
E sem desejo desvirginei.
Por isso esqueci e bem sei que magoei.
Prometi e cumpri, para me redimir
E por amor tenho que admitir:
Estou só, com medo de me iludir.
 Bebi para esquecer, fumei para aquecer,
Envenenei o meu sangue para adormecer.
A loucura bateu-me à porta e eu atendi,
Visita ingrata que me veio prender,
Nos tempos em que tinha tudo a perder.
Meu monstro. O outro eu… presente.
A verdade pode ser humilhante,
Mergulho na mentira mais brilhante.
Aguardo um novo encontro distante,
Com a felicidade, com a alegria,
Refiro-me à verdadeira, não a fantasia.
Casa banco de jardim, telhado de cartão,
Cobertor de plástico, o cheiro da maresia.
Lisboa me acolhe e embala no seu chão.
Lisboa, eu sou tu. Lisboa no teu coração."

quinta-feira, 14 de outubro de 2010

O mundo ás costas.

Existem homens que carregam o mundo as costas. Sentem o seu peso a cada passo que dão. A rota é indefinida, não tem mapa ou bússola apenas um bilhete de ida. Dizem que na frente dos seus olhos existe uma cortina e no braço uma mão que não desiste. Insiste na caminhada, quer ver a beleza bem contornada, o amor por excelência tem que ser tratada. Nunca sentiram a pele da mulher amada e fazem a cama debaixo de uma arcada. Poisam borboletas na sua cabeça, descem até ás mão, voam para longe. São uma espécie de monge cujos silêncios ecoam nas colinas da solidão. Quando passam as árvores ficam despidas, os frutos maduros; surgem palavras escritas nos muros, duros e mudos.
Existem homens que não sabem acabar. Que acreditam que o mundo ainda tem muito para dar e que o principio está prestes a começar. São amantes perfeitos, perfeição de corações desfeitos. São francos de opinião e por isso lhes retiram a razão. São a resistência à demência, à loucura… enfrentam a fome, a sede e a carência de carinhos é medida que não se mede. Procuram para encontrar, apenas para constatar que este mundo ainda tem muito para salvar. Fazem do nada um pequeno tudo, mesmo quando em sentem o peito mudo.
Existem porque existem. Não querem que se saiba. Escondem-se na luz, choram nas sombras. Carregam o mundo as costas, para que durmas bem, o sono que gostas.

domingo, 10 de outubro de 2010

Tatuagem na memória. 1

Para onde vai tanta chuva. Para onde se dirige? Penso enquanto caminho, com as mão dentro do sobretudo. Bate nas costas com o vento, pingas grossas batem como folhas fantasma, vindas a cobardia.
Não me posso esquecer, não me posso esquecer.
Passam dois carros a meu favor, vejo as matrículas mas não memorizo. São-me familiares. Leio “ritz” escrito a spray the tags way. Deixo-me rir porque sei. Penso quando pedes com o extremo do fervor. Dizes: “fica” e eu fiquei.
Não me posso esquecer, não me posso esquecer.
Passam dois casais em silêncio, passo apressado e desorientado. Não perguntarão, nada, não reparam em mim, talvez seja da minha figura fechada! Também desorientada. Sinto-me mais sem rumo, do que o desconhecido, o medo de ir ao nada.
Não me posso esquecer, não me posso esquecer.
Paro de pensar. Sinto a chuva que investe na minha metade de traz. Vejo oito camiões pesados a passar, carregados de areia. Lembrei-me de uma ideia e sinto que a noite está bem cheia, de água certamente, que no código ninguém me chateia.
Não me posso esquecer, não me posso esquecer.
Paro de andar, mentalizo-me que tenho de escrever. Por enquanto não, a ocasião não deixa e a chuva não quer parar de chover. Alem disso, sinto já as repetições, creio que me faço entender. È aqui que recomeço a pensar.
Não me posso esquecer, não me posso esquecer.
O vento segreda-me num silvo o que quero ouvir, o que preciso e começo a sorrir. Os tascos estão fechados e as discotecas estão demasiado embriagadas para me servir. No balcão existe gente bonita e agradável, mas o preço não me faz sorrir.
Não me posso esquecer, não me posso esquecer.
Passo as mãos da cara molhada, procuro perceber o que está diante do meu caminho. Seguro o colarinho e sacudo o corpo. O vento começa a acalmar e a chuva enfraquece na vertical. Reparo no que o meu rumo me foi dar. Recomeço a caminhar.
Não me posso esquecer, não me posso esquecer.
Aproximo-me devagar de um edifício que me é familiar. Começo a sentir que estou a suar e reparo na única janela que alguém quer iluminar. Seis laços colados nos vidros, paredes forradas de livros. Uma melodia a tocar.
Não me posso esquecer, não me posso esquecer.
O vento pára. A chuva também. A luz na janela apaga, a melodia mantém-se porém. Oiço com mais nitidez, é um violino que sai de um gira-discos, notas que me tocam com nudez. Abrigo-me debaixo duma varanda. A música comanda.
Não me posso esquecer, não me posso esquecer.
Começo a balançar o corpo até começar a dançar, numa dança tímida. Fecho os olhos e sinto a água a escorrer… aquele violino, instrumento que abafa o meu tormento… os meus pés fazem girar o corpo. Gabardina aberta a esvoaçar.

sexta-feira, 8 de outubro de 2010

Chuva de Outubro.

Com a chuva veio um clarão, depois um trovão. Chuva na horizontal, acompanhada pelo vento brutal. Água doce, fresca, pura. Limpa-me o terraço e o quintal. Rega-me a horta, lava as latrinas, alaga as ruas e traz lembranças tuas.
Descasco uma romã. Bago a bago, penso na tua boca e na minha vontade louca. Encho uma tigela, olho para a janela aguarela. Recordo o teu afago, nas minhas mãos, destas que trago sempre no corpo.
Espero a noite. Alimento o dia. Respiro a terra molhada e oiço o gato que mia. Olho para a minha casa vazia, quente, seca, onde outrora o Sol batia.
Saio. Quero sentir a humidade, já sento a saudade.

terça-feira, 5 de outubro de 2010

Bonita, bonita.

Por amor me guardo. Tenho no meu corpo as minhas juras, na alma o teu espelho. Acredito em ti. Por amor não te prendi. Por isso não parti. Confio em ti. És firme e persistente. Sei bem quem conheci… não existe outra igual. Dedicada, empenhada… com voz do coração. Tens a valentia dos antigos… tens a Lua, por isso tens o Sol.
 És leal, real, preciosa, valiosa. Tens o tempo, tens o que por ele passou. Tens-me a mim e tudo o que o ensejo nos ensinou, tens a bravura de quem já enfrentou. Tens a saudade de quem com devoção assim se guardou
Bonita, nesta boca és bem dita.