sexta-feira, 24 de setembro de 2010

Quatro estações.

Outono. Vai para lá de um ano que miro uma janela. É igual a tantas outras, não fosse o que tem dentro dela. É o silêncio, o mais completo momento na ausência de ruído. Vejo-a do meu quintal.
Certo dia, não pode deixar de ouvir um grito. Um pedido de ajuda, uma voz estridente na minha direcção. Olhei para todas as fachadas dos edifícios circundantes, esperando encontrar alguém. Apenas vi um rosto, numa cabeça, num pescoço, num tronco com braços… cabelo longo. Só vi uns pedaços. Fugiu. Silencio brusco.
Inverno. O compressor estava a trabalhar e ouvi alguém a declarar. Voz altiva, amiga, parecia estar a convidar. Ouvia em subconsciente. O motor pára com um espirro e a melodia falada revelou-se. Uma declaração de amor, um peito aberto a dizer calor… paixão e tesão. Giravam as minhas orbitas, girava o meu crânio, o meu corpo em desequilibro até aterrar completo no chão. Olhei para a relva e senti olhos na minha direcção. Castanho, castanho caju. Pele clara. Lábios cheios, olhos grandes e cabelo esvoaçante. Cheiro doce por entre a erva molhada. Ombros, duas mãos, uma mascara. Seios, ventre, anca, pontas de “V”, um traço… silencio e beijos. Beijos na minha direcção; direcção da boca. Desce o cortinado e apaga a luz.

Primavera. Ouvi musica todo o dia. Vinha daquela janela. Musicas com poemas. As luzes sempre acesas. Musica que parece não acabar. Ouvi de tudo, alegrias e o lamentar. Por vezes até o demónio a expulsar. Ouvi gargalhadas e pedidos de perdão, tudo isto em forma de canção. O que queria dizer com aquilo, porque é que estava tanto a acontecer. Vinte e quatro horas de mensagens espalhadas no ar. Uma azafama constante de instrumentos musicais e vozes dos por demais. Bons e maus momentos, tal como os dias. Por vezes parava de ouvir, simplesmente parava de fazer o esforço, e as memórias faziam-me suspirar. Foi assim até ao último dia, ouvir e com força no respirar, por não a ver e não parar de escutar.

Verão. Sentia saudades de ouvir grilos. Do prédio quase vazio. Da cama de baloiço e de uma cerveja gelada, nas noites quentes e pequenas. Saudades dos estendais com pouca roupa, do fogo de rua e da carne assada sem penas. Da fruta, do tanque antigo, da sombra. Das leituras em dia, dos passeios, das idas a praia, da visitas a quem é amigo.
Adormeci ao relento, embalado pelo tempo. Acordei de rompante com uma luz forte e incandescente. Uma ordem para eu seguir: “Para diante, para traz, vai-te embora, volta se fores capaz.”
Encolhi os ombros e voltei as palmas das mãos para cima. Com o rosto fechado enfrentei o ponto de fuga e gritei: “Porquê?”. A resposta que tenho é minha, é pobre, é: Tem que ser.
O foco apagou-se com um ponto incandescente, naquela janela sempre presente.

O Outono voltou. Já senti algumas pingas. Toquei na sua campainha doze vezes, deixei dois presentes e recados, a pedir encontros, no entanto, tudo o que tenho são desencontros. É uma janela que me faz acreditar, que sente atracção por mim e me testa, que me afasta e que me aperta. É o tempo e o que acontece nele, é o esforço para dizer que o meu peito também aperta… o desejo da descoberta.

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